sexta-feira, 6 de abril de 2018

52. Fantasma



Perdoe-me pela ocasião em que quebrei sua confiança ou por ter considerado falta de confiança em você quando fiz segredo de coisas banais. Estive acorrentado muito tempo pelo tornozelo, arrastando-me pelo mundo natural, primeiro não querendo ser visto, e depois sendo realmente ignorado à luz do dia. Sou o fantasma de um homem vivo.
Eu simplesmente não sei lidar com pessoas, nem consigo me misturar, mas preciso, dentro do meu tempo, resgatar minha vida, há muito tempo esquecida. Preciso muito escutar novas realidades e viver novas histórias.
Nas histórias contadas ao redor da fogueira, conhecemos o sofrimento daqueles que fogem de forças obscuras, dos sobreviventes, mas não nas histórias anteriores aos fantasmas. Toda boa história tem seu fantasma: os resquícios de uma narrativa anterior.
Somos pessoas e histórias. Pessoas e fantasmas.
As pessoas não me veem e eu aprendi a não vê-las, nem às suas histórias pontuadas por sorrisos perfeitos. Suas perfeições aparentes me distanciam cada vez mais de minha própria humanidade. Quero sacudir as pessoas e pedir para que se mostrem com suas imperfeições, mas sigo com meu lamento não pronunciado. Ainda assim, quero que me vejam outra vez, não mais como alguém que foge pelos cantos; mas ainda dói demais tentar ser humano.
Sou um fantasma repleto de fantasmas, consumido pelas revoltas e gritos internos não ouvidos. Não sou nenhum coitado, mas fui treinado a pensar que estou sempre errado.
Ser o mal absoluto, segundo meu espírito inquieto, seria uma justificativa para todos os males que não pedi para mim. Não, não são. O meu presente não tem culpa pelo meu passado.
Praticar a auto sabotagem já não deveria ter parte com meus planos de seguir em frente.
Ficar em paz não deveria ser sinônimo de continuar (a me fazer de) invisível.
Espero, muito sinceramente, que eu não assombre seus sonhos, transformando-os em pesadelos amargos, mas em sonhos doces.
Tenha, por favor, um pouco mais de paciência: logo mais voltarei à superfície e não tentarei não tropeçar mais na direção deste poço de inseguranças.
Até ontem eu ainda era um menino tentando não morrer perdido na loucura da vida adulta. Flertando com a morte, que assoprou para longe uma parte boa de mim, como se fosse algo de outra vida.
Sou a prova viva de que existe vida após a morte, pois sempre voltei à superfície da vida depois de me sentir morto de novo; mas, até então, eu não tive uma mão forte o bastante para me segurar e não mais me empurrar de volta à escuridão. Ou minhas mãos estão fracas demais para me segurar aos dedos que tentam apertar os meus.
Nem mesmo pude ajudar a quem precisou de mim, ainda que escolhas tenham sido feitas, e eu não tive muito que fazer.
Talvez você devesse se perguntar se não sou somente fruto da sua imaginação. Eu mesmo pergunto a mim mesmo se eu não sou minha própria imaginação.
Mas não é o que minha carne me diz quando sinto as dores da existência.


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terça-feira, 3 de abril de 2018

51. Lunático



Continuação espiritual de Destoante


Eu sou o imã perfeito para gente com um parafuso solto. É impressionante. Você entenderá logo o que quero dizer.
Apressado, quero voltar para casa. Não olho para as pessoas à minha volta, inquieto com a sensação de que se incomodariam com o meu gesto trivial de observar o mundo e as pessoas lá fora. Então sigo em frente. Quero voltar para casa.
Um homem de idade avançada me para na rua e inicia um monólogo sobre como o calor está terrível, sobre como quer voltar a trabalhar, mas seu chefe não o permite. Ele se aposentou, e agora deve aproveitar o sossego, morando no litoral. Eu apenas aceno com a cabeça, concordando com cada palavra.
Quero voltar para casa, mas este homem não me deixa nem atravessar a rua.
Este homem, ele me diz que fuma e cheira, mas nunca no trabalho. Não, não, não. Ele não é louco. Faz isto em particular, em seu quarto, em casa. Eu não sei o que dizer, apenas aceno com a cabeça e sorrio sem sorrir de verdade. Isto é muita informação para a minha cabeça.
Ele se despede de mim, mas antes de seguir seu caminho, diz para eu ter cuidado ao atravessar a rua. Volto contente para o meu próprio caminho.
O homem nem foi um dos maiores malucos que já passaram por mim, mas são os deste tipo em diante que se sentem muito à vontade de me confidenciar coisas que outras pessoas não querem saber.
Quando eu não sou o confidente de algum maluco beleza, viro a plateia daqueles que falam em voz alta em público para ninguém em particular, daquelas pessoas que fazem danças peculiares e se aproximam sem avisar, daqueles que resmungam com o vento e querem saber a minha opinião a respeito, das hienas urbanas. As pessoas ditas normais, sérias e serenas, elas apenas seguem o fluxo e nem olham para a minha cara.
Não que eu seja especial para virar um alvo, mas o primeiro pensamento que me vem à mente é: tudo bem, tudo bem, só não me ataque. O segundo pensamento costuma ser este: O que há em mim que me atrai só essa gente?
Não pela coisa em si de serem, digamos, peculiares (com o perdão do eufemismo), mas pela sensação de que, se por acaso se sentem à vontade para me abordarem e mostrarem seu mundo particular, no mínimo há uma identificação comigo. Eles conseguem me enxergar como semelhante.
Que eu não sou exatamente normal, disso estou careca de saber. Ah! Ah! Ah!
Mas não deixa de ser curiosa essa aproximação. Enquanto todo o resto segue ignorando tudo e todos, essas pessoas vagam pelas ruas e em algum momento me encontram. Não deixo de ter a impressão de que sou um lunático um pouco mais lúcido, mas não menos lunático.
Essas pessoas que querem me contar sobre suas vidas peculiares, mas não tão distantes da realidade de muitos que se negam à parte das convenções sociais.
Mesmo interagindo e coexistindo com a civilização comum, somos seres que vivem à margem dos olhares mais mundanos, longe do interesse de quem vive apenas pelo tédio de ser ordinário para não parecer louco.
Tudo bem. É até divertido parecer maluco, bastando viver em silêncio, sem deixar tão claro às pessoas o que meus olhares querem dizer. É como um mecanismo de defesa. Elas me deixam em paz com seus julgamentos a maior parte do tempo, talvez com medo da minha reação, por não saberem qual poderia ser.
Essas pessoas com histórias, com espuma na boca e um olhar perdido, e eu com minhas neuroses. E com meu olhar igualmente perdido. Essas pessoas e eu formamos um clube muito peculiar, ou talvez sejamos tão somente lobos solitários procurando a própria turma, mas acostumados demais em seguirmos o próprio rumo sem ter quem nos note ou que tente interferir em nosso mundinho particular.
Somos seres livres, ainda que guardemos parte desta liberdade dentro de nós, quando estamos caminhando entre as pessoas ditas normais. Por dentro, estamos inquietos. Até as pessoas normais, que sabem disfarçar muito bem.


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