terça-feira, 20 de março de 2018

48. Luz e Morte das Estrelas



Nenhum deles pode atravessar a avenida, com o rosto parcialmente escondido sob o pôr do sol ou o brilho das estrelas, que logo viram notícia. O horóscopo disse algo sobre a sorte mudar no dia de hoje. Basta terem dito que queriam ter um tempo para eles, longe dos olhos famintos da multidão e das lentes voyeurísticas das câmeras. Tudo mudaria. Consequência de serem pessoas públicas. Afinal, não pediram por esse tipo de vida?
São responsáveis pelo que pensam milhares de homens e mulheres de quem nunca ouviram falar. Pelo modo como se vestem, definindo o que e como devem comer, qual crença devem alimentar, qual vida devem escolher, mesmo quando não há tantas opções assim. As pessoas comuns apenas querem sentir um alívio momentâneo escutando as vozes das estrelas sob a estática que preenche o mundo.
Mesmo o anônimo de hoje precisa cuidar das ideias que deseja perpetuar, para o caso de amanhã estar sob os holofotes sendo uma estrela ou apenas um anônimo que disse algo fora de tom.
O famoso pode não ter dito qualquer coisa realmente comprometedora; talvez tenha composto a letra simples de uma canção ou apenas escreveu uma carta pública para os fãs, mas alguém resolveu interpretar como se fosse a mensagem de um dos cavaleiros do Apocalipse para o mundo.
Entre roupas escolhidas por outros, grifes de maquiagens e cosméticos que eles não usam, entre viagens intermináveis, com pequenas fugas no álcool e no pó branco quando ninguém está olhando, e a quase total ausência de livre-arbítrio em prol da imagem que devem levar quando não tem como se desviar dos olhares, eles ainda têm de ouvir que devem levar uma vida fácil, cheia de luxos e mimos, de terem o direito de fazer tudo o que quiserem.
Nesta vida, eles são vistos como produtos, meros códigos de barra no mundo da fama.
Se eles salvam a vida de filhos de pais mortos na guerra, se fazem qualquer bem sem verem a quem, se doam um pouco de seu tempo e atenção para causas que não envolvem o próprio umbigo, mesmo que anonimamente, todos estarão sabendo; às vezes, antes que os próprios saibam.
Se eles estão certos estão errados; se estão errados estão certos quando os recordes foram batidos, quando os gritinhos histéricos ultrapassaram a barreira das paredes. Às vezes, mas somente às vezes, se estão errados, eles estão mesmo errados. A sorte muda da noite para o dia. Um olho no cão e outro no gato.
À noite, deitam a cabeça no travesseiro e suspiram aliviados. Um lembrete de sua humanidade, um fiapo de humanidade que irá durar por apenas algumas horas, antes de serem puxados de volta. Querem andar entre as prateleiras sem serem notados, ou, pelo menos, sem exaltações. Eles e elas são gente como a gente, diz aquele programa de fofoca.
Se as pessoas querem mesmo saber de suas vidas, a autobiografia não autorizada, mas assinada em seu nome, contará tudo o que querem saber. Verdades e mentiras devidamente pesquisadas. Verdades e rumores desmentidos milhares de vezes, tudo estará ali. Se não quiser ler, espere quando sair o filme.
Alguns famosos continuam anônimos, mesmo quando contribuíram muito com o que outros não chamam de trabalho. Na semana seguinte, um novo “famoso quem” toma o lugar de outro alguém que não conseguiu largar de suas influências e raízes. Sabe como é: o moderno esmaga o velho. Capa de vinil vazia jogada na calçada, molhada pela chuva. Dias de glória esquecidos.
O brilho apagado dos olhos daquele que manteve a corda no pescoço a vida toda, a metade de um limão caído aos pés, dinheiro no cofre, fezes e urina no tapete branco, o resto de um rastro de pó sobre o tampo de vidro. Depressão ou asfixia auto-erótica? Overdose ou homicídio, um crime passional tingindo a porcelana branca de sangue?
Morreu cego depois de ter contribuído com sua visão de mundo, nas fotografias, nas pinturas, nas canções, na prosa e na poesia. Morreu desconhecido por aqueles que não o procuraram num vídeo na internet ou por não ter aparecido num conhecido programa de TV. Morreu cego, surdo e mudo quando se isolou para fugir da loucura.
Morreu depois de dar tudo de si, sem nunca ter sido o bastante. Morreu sem ter liberdade de ser quem é, sem ter de ser quem é o tempo todo. Sem carregar o peso de um nome que não é nem o próprio.
Mais uma estrela se apagou.

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