terça-feira, 13 de março de 2018

46. Cultura do Medo



Uma nova ameaça chegou num pacote esta manhã.
O noticiário me fez tremer todo, ainda tomando meu café da manhã.
Não tenho estômago para encarar, assim tão cedo, tão dura realidade. A caminho do trabalho, implorarei para não sofrer, também, tamanha fatalidade.
Beijo meu filho e digo: fique longe desta porta. O perigo e o caos o querem longe de mim, do lado de fora.
Não abra nenhum pacote: pode ter anthrax. Temo tanto a morte, até de ser envenenado por gás.
No metrô, ninguém nem faz um único comentário. Só eu que ouvi o que ouvi no noticiário? Silêncio total. O medo fica cada vez maior em meu peito. Livrai-nos do mal. Todo mundo aqui me parece muito suspeito.
Meus colegas e amigos, meu próprio filho, meus próprios pais, todos os meus vizinhos... Todos eles parecem indiferentes ao meu tormento e aos nossos inimigos.
Perdi noventa amigos na faxina que fiz esta tarde. O problema é todo deles por não quererem enxergar a verdade. Eles são todos tolos, desonestos, um bando de escrotos. Pelo menos meu círculo social não mais federá a esgoto.
Digo ao meu mestre: imagine que louco seria um mundo sem carnaval. Sem música moderna, sem jogos eletrônicos, sem filmes nem livros mundanos, amantes de mãos dadas na rua, sexo anal.
Todos os problemas do mundo desapareceriam se este mesmo mundo imitasse meu exemplo. Sou apenas um homem tentando ser bom a maior parte do tempo. Sigo firme, minha consciência escondida sob a sombra do medo.
Eu tomo meu banho sagrado todo dia. Tento, de alguma maneira, manter a minha consciência limpa.
Pergunto ao meu mestre: meu filho deveria tomar a vacina? Todo dia tem sempre uma doença nova, invenção desta indústria da medicina.
Se você ao menos tentasse mais, talvez não se sentisse tão mal assim. Isto aí é só frescura, falta de Deus nesse seu coração, puro “mimimi”. Se ao menos esquecesse um pouco, talvez as pessoas não dissessem tanto que você é um louco.
Ninguém sério precisa de remédios para não cair. Preciso tomar essas pílulas aqui para conseguir dormir.
Uma nova ameaça chegou num pacote esta manhã.
Um medo novo foi injetado em mim logo no café da manhã.
No noticiário de hoje: mais alguém sofreu. Um novo medo cresceu em meu peito, correu em meu sangue, depois morreu. O noticiário de ontem já foi desmentido. Terei de adicionar de novo todos os meus amigos. Mas nenhum deles quer me aceitar de volta. Para eles, sou eu o verdadeiro perigo ou o verdadeiro idiota.
Meu filho passou por mim com uma cara de preocupado. Durante o jantar, minha esposa também não me disse muita coisa. Tento não pensar muito no que está errado. Sei que esteve chorando enquanto ela lavava e eu secava a louça.
Na manhã seguinte eu já temia outra coisa. O medo move meu mundo, o mundo do meu filho, da minha amante e o mundo da minha esposa.
Somos um contra todos e todos contra um.
Uns contra os outros.
E não sobrou nenhum.


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