sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

44. Seu Lugar no Mundo


Você dorme no trem londrino e acorda em Tóquio.
Você ouve a cantoria solitária nas ruas de Roma.
Você é recebido de braços abertos pelo Cristo Redentor.
Ouve aplausos de desconhecidos, dos amigos de seus amigos, dos pais dos amigos. De seus pais; mas, em seu nervosismo, você não consegue vê-los na plateia; seus pais nunca foram de sentar na frente. Eles sorriem muito orgulhosos de sua casinha falante, de sua graminha vestida de papel crepom, por mais boba que a peça tenha sido. O apoio deles tem todo o significado do mundo.
Você chora em Paris.
Pensa em tudo o que teve de fazer para chegar aqui. Todos os idiomas que teve de aprender para se comunicar com o mundo, até com o mundo daqueles privados de voz. Todas as conquistas doces ou agridoces.
Tu és um nômade.
Tu és um cidadão do mundo.
Onde é melhor chorar? Em seu quarto empoeirado ou nas ruas de Berlim? Você quer partir para sempre para longe das lembranças que vivem em você. Tão melhor carregar o peso nos ombros quando se está em Madrid. Tudo fica mais tolerável quando se pisa na calçada da fama, na cidade das estrelas.
Você se muda da capital para o litoral.
Do campo para a cidade grande.
Da casinha para o apartamento.
Tudo será diferente a partir de agora. As lembranças ficarão para trás, serão apenas lembranças e nada mais. Você desembarca e não vê seus velhos amigos ali, seguindo em frente com você, também. Tudo está diferente agora.
Entre os rostos desconhecidos, tenta encontrar novos amigos, mas tem que começar do zero. Precisa explicar, de novo, quem você já foi, quem você pensa que é. Depois de tanto tempo, e ainda somos forasteiros, sem nome e significado.
Você está feliz no Canadá. Mas, dentro de você, uma voz o chama de volta para casa. Para a vida deixada para trás.
Você foge para a Austrália e desfruta de boas férias no Polo Norte. Volta de caravela para Portugal, em nome dos velhos tempos.
O mundo é tão pequeno e, ao mesmo tempo, tão vasto. Voa de um lado para o outro, e ainda não aprendeu como se deixar para trás, como não se trazer nas malas.
Seus amigos e inimigos o aplaudem e o vaiam em segredo, sem que você saiba quem é quem.
Há algo em você que seus pais não aprovam.
Seu patrão pode apertar sua mão, mas para ele, tudo o que você fizer ainda não será o suficiente. Nunca.
Você sente tudo isto, enquanto vaga nas ruas de New York. Enquanto não consegue silenciar aquela voz na cabeça. Enquanto não apaga as projeções que dizem muito mais sobre como vê a si mesmo.
Ninguém se sente pertencente de verdade a este mundo. Somos todos invisíveis para ele.
Nós não vemos a quem nos vê.
Ninguém nos conhece tão bem.
Você só queria ser outro alguém, conhecido o suficiente, mas perdido na multidão o suficiente para não ser reconhecido. Você só queria ser notado, mas não engolido e invadido. Só queria ouvir os aplausos, mas não queria ver por quem estava sendo aplaudido. Queria ter o sobrenome reconhecido, mas também queria que ignorassem seu passado, seu primeiro nome. Você queria que soubessem tudo sobre você.
O que você quer, afinal?
Ninguém se olha nos olhos. No vagão, todos fogem para dentro de seus próprios mundos, viajando entre pensamentos e experiências pessoais.
Próxima estação: Paraíso.
Próxima estação: Liberdade.
Próxima estação: Carandiru.
Corremos de nossa distopia interior para a utopia de um mundo perfeito, que supostamente nos modificaria de fora para dentro. As pessoas daqui são diferentes, mas não a gente. Não a gente. Nós sempre vivemos em fuga. Corremos e crescemos. Nós corremos.
E fugimos...
Fugimos...
E fugimos...


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