Carta ao irmão
Em algum lugar, 6 de novembro de 2017.
Você se lembra de como a gente quase nunca se desgrudava? Nunca
conseguimos decifrar o enigma daqueles irmãos separados pela vida ou por
barreiras colocadas pelos próprios. “Esta parte é minha, você não tem permissão
de cruzar a linha para o meu território.” Não, não, nunca conseguimos entender.
Sempre gostei de estarmos num mesmo ambiente, exceto pelo banheiro.
Você se lembra de como sempre fomos unidos, mesmo quando a gente
brigava por coisas idiotas, como a posse do controle remoto? Dificilmente a
inimizade durava algo mais que alguns poucos minutos, entre um desenho e outro.
Enquanto muitos dormiam de mal, a gente dizia boa noite, durma bem,
tenha bons sonhos. Era o equivalente ao eu te amo. A gente não dizia com essas
palavras, mas a gente entendia como tal. A gente conversava até cair no sono. Nas
noites de tempestade, você me procurava até que tudo se acalmasse, e ninguém,
além da gente, sabia do medo que você nutria pela fúria da Voz do Trovão e a
zombaria do assobio agudo dos ventos.
Consegue se lembrar de quando eu ficava doente e você também
ficava? De como a gente sempre sabia a quem recorrer quando ninguém mais faria
algo pela gente? Das gargalhadas e das nossas piadas internas? E das lágrimas
divididas em dias de tempestade?
É claro que não.
Você nunca existiu.
Sinto sua falta.
...
Você não sabia?
Você existe, sim, na minha mente. Você vive através de mim como um
parasita emocional, que, conforme eu alimento mais e mais, mais e mais vazio eu
me sinto. Mais sozinho.
Por favor, entenda. Eu não o odeio por isso. Não é sua culpa, nem
minha, nem de ninguém. A vida tem dessas coisas, é a conclusão que demorei a
chegar.
Por muito tempo eu me queixei sobre como me faltou um referencial
de tudo em casa. Não estou falando de pai e mãe, mas de alguém que quase me
compreendesse de verdade. Um irmão de alma.
Sim, eu sei que um irmão nem sempre é o melhor referencial que
alguém poderia ter. Se assim fosse, muito mais gente demonstraria mais
abertamente o quanto admira seu irmão. Ou não, pois faz parte do protocolo familiar
fingir que não o suporta.
Posso não ter um irmão biológico, mas, ao longo da vida, muitos
irmãos e irmãs cruzaram o meu caminho e me mostraram que os laços de sangue não
são tudo. Ser irmão vai muito além de ser filho de uma mesma mãe e um mesmo
pai, e às vezes ser de um, mas não ser de outro.
Nem sempre tenho essas pessoas por perto, mas de que vale estar
próximo e ao mesmo tempo tão distante, quando, mesmo distante, a sensação de
proximidade é muito mais intenso.
Tenho que deixá-lo em algum ponto, irmão imaginário, e seguir com
minha vida sem pensar que ela poderia ter sido diferente. Minha vida é o que é.
Não estou sozinho. Estou sozinho apenas quando quero estar.
Eu estou aprendendo a seguir com a minha vida sem você.
Sempre foi assim.
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Anteriormente:
Caixa de Cartas #1 (Carta ao Papai Noel)
Caixa de Cartas #2 (Carta ao serial killer mais bem sucedido da história)
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