quarta-feira, 29 de novembro de 2017

43. "Chame o Xerife!"


Se existe uma arte que eu domino bem, esta seria a arte de reclamar. Eu amo ter voz para reclamar de meus incômodos, como um direito pessoal. Você deve saber: eu não sou um ser dócil a maior parte do tempo. Mas, cá entre nós: às vezes, a arte de reclamar passa dos limites do bom senso.
Dizem que reclamar não resolve os problemas; de fato, não resolve mesmo, mas não reclamar também não resolve. E não me venha com o papo de existirem pessoas em situações piores, pois, como sempre digo em casos assim, eu não sabia que estamos numa competição de sofrimento. Cada um sabe de suas alegrias e dores, não importando o tamanho de cada uma. Além de ser de mau gosto se sentir compensado pelo sofrimento alheio. Quem diz essas coisas nunca parou para refletir?
Ainda assim, correndo o risco de soar cínico ou hipócrita, bato na tecla de que a arte de reclamar está saturada. Principalmente pelo efeito que eu chamo de “Chame o xerife!”, baseado no quadro de um programa de TV em que pessoas procuram fulano de tal para ver se este consegue resolver seus problemas.
Se você não conseguiu usufruir o tempo de garantia de sua TV nova, chame o xerife!
Se o carrinho de bebê do seu filho enguiçou, você precisou trocar, mas a burrocracia do fabricante torrou a sua paciência, chame o xerife.
Se você perdeu seus dedos durante a plástica no nariz, chame o... Não, neste caso estou exagerando.
Praticamente todos os casos apresentados neste quadro justificam procurar a imprensa e agilizar processos cansativos. Não nego isso. O problema, a meu ver, é a mania de reclamarem direitos por meios menos civilizados. Espere aí. Deixe-me explicar.
Não estou dizendo que às vezes não seja necessário ser mais enérgico diante de uma situação de injustiça, de atos de covardia, e coisas do gênero, principalmente se for numa situação mais extrema. Estou falando mais especificamente sobre os direitos do consumidor tratados com exagero e até com rompantes de fúria.
Os direitos existem, é claro, e devem ser cumpridos. Mas o cumprimento de tais direitos envolve uma série de fatores que extrapolam o Joãozinho, o Vendedor, que apenas está fazendo o seu trabalho. O xis da questão aqui é a mania de explodirem com o Joãozinho, o Vendedor, apenas porque ele, sem saber, vendeu um produto danificado.
Eu já perdi a conta de quantas vezes fui ao hospital superlotado e presenciei cenas de vexame envolvendo pacientes e funcionários.
Eu sei, a saúde em nosso país está precária, vemos muitas pessoas morrerem nos corredores dos hospitais enquanto outros tantos respiram saúde e maldade. Eu sei, e temos todo o direito do mundo de reclamar. Ninguém aqui está defendendo o comodismo.
O problema é: você está reclamando com a pessoa certa?
Os funcionários podem até se comportar como um bando de joões-sem-braço, fingindo não ver o nosso sofrimento, ou olhando para a gente com uma cara de cavidade retal virada ao avesso; mas eles também não têm aonde correr. Estão só fazendo seu trabalho. Eles não são os seus inimigos.
Certa vez, como se falasse por todos ali, alguém muito estressado ameaçou trazer a imprensa ao ambulatório por causa da demora no atendimento. Eu estava com amidalite. Sim, eu sei, eu não iria morrer por isso, mas eu não conseguia engolir saliva sem sentir dor, e mal e mal conseguia falar ou comer. Mas a minha vontade era de mandar calar a boca a quem estivesse fazendo todo aquele escândalo. Pensei no xerife vindo às pressas para resolver os nossos problemas. Ele tem um clone a cada esquina, vocês não sabiam?
Se não fosse ele, seria outro. Mas eu apenas queria que aquela pessoa calasse a boca, assim como todos ali estavam calados. Só deixe a gente quieto, por favor. Não aguento mais ouvir a sua voz.
Aquela pessoa é bem capaz de ser do mesmo tipo que se intromete quando você compra um carro usado. Você nem a chamou, mas ela veio correndo quando ouviu o motor engasgar. E quando um mecânico vem para verificar o problema com o dono anterior do carro, lá está aquela pessoa querendo ver, também. Ela espera que os outros saiam para dar palpite. Parece que está tudo ferrado, diz. Quando o carro volta do conserto, aquela pessoa pede para verificar se o motor está funcionando. Funciona, mas morre facilmente, como se estivesse em conluio com a pessoa. Com um tom de cumplicidade — unilateral, neste caso —, diz que tem muito pilantra, e que se fosse você, pediria o dinheiro de volta. Depois, o carro funciona normalmente. Claro, ainda precisa de uns reparos, mas a coisas não é fatalista como aquela pessoa tenta fazer parecer. Afinal, o dono anterior se propôs a bancar o conserto; que pilantra faria isso?
Ainda comigo?
Não se trata de cruzar os braços e permitir que pisem em você. Trata-se sobre não ser impertinente apenas “porque sim”.


-----------------------------------------------------------------

Para mais informações e novidades:

Sigam-me em meu perfil no Google Plus

Sigam-me também no Twitter

Curtam e sigam minha Página do Facebook

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Caixa de Cartas #3

Carta ao irmão


Em algum lugar, 6 de novembro de 2017.


Você se lembra de como a gente quase nunca se desgrudava? Nunca conseguimos decifrar o enigma daqueles irmãos separados pela vida ou por barreiras colocadas pelos próprios. “Esta parte é minha, você não tem permissão de cruzar a linha para o meu território.” Não, não, nunca conseguimos entender. Sempre gostei de estarmos num mesmo ambiente, exceto pelo banheiro.
Você se lembra de como sempre fomos unidos, mesmo quando a gente brigava por coisas idiotas, como a posse do controle remoto? Dificilmente a inimizade durava algo mais que alguns poucos minutos, entre um desenho e outro.
Enquanto muitos dormiam de mal, a gente dizia boa noite, durma bem, tenha bons sonhos. Era o equivalente ao eu te amo. A gente não dizia com essas palavras, mas a gente entendia como tal. A gente conversava até cair no sono. Nas noites de tempestade, você me procurava até que tudo se acalmasse, e ninguém, além da gente, sabia do medo que você nutria pela fúria da Voz do Trovão e a zombaria do assobio agudo dos ventos.
Consegue se lembrar de quando eu ficava doente e você também ficava? De como a gente sempre sabia a quem recorrer quando ninguém mais faria algo pela gente? Das gargalhadas e das nossas piadas internas? E das lágrimas divididas em dias de tempestade?
É claro que não.
Você nunca existiu.
Sinto sua falta.
...
Você não sabia?
Você existe, sim, na minha mente. Você vive através de mim como um parasita emocional, que, conforme eu alimento mais e mais, mais e mais vazio eu me sinto. Mais sozinho.
Por favor, entenda. Eu não o odeio por isso. Não é sua culpa, nem minha, nem de ninguém. A vida tem dessas coisas, é a conclusão que demorei a chegar.
Por muito tempo eu me queixei sobre como me faltou um referencial de tudo em casa. Não estou falando de pai e mãe, mas de alguém que quase me compreendesse de verdade. Um irmão de alma.
Sim, eu sei que um irmão nem sempre é o melhor referencial que alguém poderia ter. Se assim fosse, muito mais gente demonstraria mais abertamente o quanto admira seu irmão. Ou não, pois faz parte do protocolo familiar fingir que não o suporta.
Posso não ter um irmão biológico, mas, ao longo da vida, muitos irmãos e irmãs cruzaram o meu caminho e me mostraram que os laços de sangue não são tudo. Ser irmão vai muito além de ser filho de uma mesma mãe e um mesmo pai, e às vezes ser de um, mas não ser de outro.
Nem sempre tenho essas pessoas por perto, mas de que vale estar próximo e ao mesmo tempo tão distante, quando, mesmo distante, a sensação de proximidade é muito mais intenso.
Tenho que deixá-lo em algum ponto, irmão imaginário, e seguir com minha vida sem pensar que ela poderia ter sido diferente. Minha vida é o que é.
Não estou sozinho. Estou sozinho apenas quando quero estar.
Eu estou aprendendo a seguir com a minha vida sem você.
Sempre foi assim.

-----------------------------------------------------------------

Anteriormente:

Caixa de Cartas #1 (Carta ao Papai Noel)
Caixa de Cartas #2 (Carta ao serial killer mais bem sucedido da história)


-----------------------------------------------------------------

Para mais informações e novidades:

Sigam-me em meu perfil no Google Plus

Sigam-me também no Twitter

Curtam e sigam minha Página do Facebook