quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Caixa de Cartas #2

Carta ao serial killer mais bem sucedido da História


Em qualquer lugar do mundo, 5 de janeiro de 2017.


Enquanto abraçamos uns aos ou outros, ou vibramos ou aplaudimos e olhamos deslumbrados para o céu iluminado somente pela chuva de fogos de artifício, em outros lugares alguém nasce e alguém morre. Milhares nascem, milhares morrem. O nascimento e a morte sempre caminharam juntos, e não seria diferente na passagem de um ano para o outro. Um ano terminou para que outro apenas começasse. O mesmo jogo se repete.
Você não foi querido. Nem chegou perto de ser.
Eu não conheço seu rosto, mas sei que esteve por aqui. Ainda posso sentir seu cheiro, que apenas as chuvas de janeiro podem levar embora.
Eu não o conheci por um rosto específico, mas nos lembrávamos de sua existência a cada nome ou rosto na TV.
Mas agora está escondido. Saiu ileso, mas não sem ter deixado rastros.
Infelizmente, eu o conheci e vi sua sombra.
Vi suas obras.
Você não esperou nem a passagem de duas semanas para levar David Bowie, Severus Snape e Shaolin. Cometeu crimes perfeitos, aproveitando-se de suas duras batalhas físicas. Mas seu gosto pela morte não parou por aí.
A finitude dos grandes e conhecidos foi declarada para o mundo.
Consta na sua lista diversos nomes. Prince, George Michael, Greg Lake, Leonard Cohen, Willy Wonka, Professor Girafales, Princesa Leia e Debbie Reynolds... Muitos nomes que tiveram suas vidas ceifadas seguiam o mesmo padrão: o ano de 2016.
Um número teria o poder de pertencer à mesma galeria infame de nomes como Jack, O Estripador, H. H. Holmes, Zodíaco e a Condessa Bárthory?
Não que a morte de uma celebridade seja mais relevante que a de inúmeros anônimos pelo mundo. Pensemos no tanto de pessoas que morrem diariamente nas guerras, nas que morrem de fome e pela violência nas ruas mais pacíficas e até dentro de casa. Não costumam ser homenageadas. Mas basta ligarmos a TV diariamente após o chá da tarde, que vemos a exploração da miséria humana por alguns pontos de audiência. É o mais próximo de uma homenagem que muitos terão.
Mas um mesmo ano que leva Professor Girafales, Willy Wonka, Malvo e Fofão não pode ser um ano qualquer. Nomes que marcaram presença na infância e adolescência de muitos da minha geração. Os personagens podem ser imortais, mas ver seus intérpretes saírem de cena representa o fim de uma era. Também estamos morrendo.
Mas não só de mortes você foi feito. (É, eu sei que é estranho tratar um ano por “você”.) Você também foi um semeador de discórdias, de separações, de tribulações. Você foi capaz de tudo.
Sabe o que dizem sobre as cores das roupas? Não acredito nisto e também não tento mais repetir o gesto apenas pela tendência. Usei branco na ocasião de seu esperado nascimento, e olha no que deu.
Enquanto abraçávamos uns aos outros, comemorando a chegada de um novo ano, estando eu agora de camiseta azul e bermuda rasgada do lado, também respirávamos aliviados pela sua ida, indiferente aos nossos risos e lágrimas.
Os sentimentos cabem somente aos mortais.
Hoje, cinco dias depois, eu apenas alimento a esperança de que este novo ano seja bom. Não o melhor de todos, como sempre esperamos pelo ano seguinte, mas surpreendentemente bom.
Sabe como é, as pessoas ainda insistem em apostar as fichas em uma renovação de ciclos, nas mudanças operadas de fora para dentro e não o contrário. Somos humanos, e isto é o que fazemos de melhor.
Quanto a você, 2016, por mais que não possa ser punido, por já pertencer ao passado, mas possivelmente tendo trazido crias que perpetuarão sua obra maligna através das eras que estão por vir, os anos vindouros, pode ter certeza de que não sentiremos saudade. Aposentou-se com nossas lágrimas, e não o queremos mais.
Mas fica o aviso: não ouse se esconder em 2017. Que este novo ano não repita seus passos. Fique longe dele! Vamos cuidar para que ele não se torne uma cópia ainda mais letal de seu antecessor.
Eu sei. Não podemos controlar um possível gosto hereditário pela morte, mas ainda podemos moldar este ano novo para algo mais tranquilo e agradável. Assim espero. Assim eu quero.

-------------------------------------------------

Anteriormente:

Caixa de Cartas #1 (Carta ao Papai Noel)

-------------------------------------------------

Para mais informações e novidades:

Sigam-me em meu perfil no Google Plus

Sigam-me também no Twitter