Por
toda a vida eu fui seguido.
Por
ruas movimentadas, por becos e corredores estreitos, meus passos foram seguidos
de perto. Perto até demais. Todos os meus movimentos, eles foram observados por
uma acompanhante silenciosa, que sempre me seguia sem maiores comentários. Ela
ainda me segue.
É
bem provável que ainda me siga, mesmo depois, mesmo quando eu já estiver
inconsciente a respeito de quem já fui algum dia, quando eu estiver dando meus
últimos passos arrastados, formando a silhueta rastejante de um homem que já
viu dias melhores.
Minha
única companheira perpétua, a minha sombra, ela se ausenta apenas quando eu
sigo pelos caminhos escuros. Ou se camufla na escuridão, eu ainda não sei dizer com absoluta certeza.
Quando fecho meus olhos à noite, ela também desaparece; nos
sonhos, mal e mal me lembro de ter uma sombra. E, ainda assim, não me abandona
em minhas aventuras.
No
meio do caminho desta grande aventura chamada Vida, ao longo desta estrada há
muitas outras sombras à espreita, de obstáculos aqui e ali. Sombras por todos
os lados.
O
que se esconde por trás destas sombras?
Olho
para elas e vejo uma fábrica de pequenos e grandes medos, de fobias e neuroses
guardadas numa caixa. Vejo mãos com garras feitas de galhos podres arranhando a
vidraça em noites tempestuosas, refletindo-se na parede com a explosão de
relâmpagos consecutivos. Minha própria sombra treme quando refletida.
Não
importa quanto tempo tenha se passado, ou o quanto tenho evoluído e tentado,
tentado e tentado, a aventura sempre me parece difícil, e os caminhos me levam
a andar em círculos. Encontro e reencontro os mesmos obstáculos medonhos, e,
como outros animais costumam fazer,
eu paro até conseguir me sentir seguro outra vez.
Ainda
que eu ande pelo vale da sombra da Morte e da Vida (e de todas as demais
incertezas da Vida, não da Morte, que é a
única certeza que temos), minha própria sombra ainda me acompanha, ou pelo
menos me espera do outro lado de um trecho especialmente obscuro.
Mas
algo me diz que até a minha sombra me
teme e fugiria de mim se pudesse.
Digo, quando não estou brincando de fazer bichos de
sombra, permitindo-me alguma diversão ao longo do caminho, estou seguindo pelo
vale e sou tragado pela escuridão que me faz andar em círculos até poder
voltar para casa.
Existe uma sombra maior sobre a minha existência, feita de
tendências e fobias repetitivas, pegajosa como uma sombra literal, e que repele
meus amigos desde sempre.
Esta outra sombra não tem forma nem nome específico, mas tem
o poder de tirar meu sorriso quando quero sorrir. Torna-me culpado por querer
sorrir, por querer companhia para ter com quem dividir minhas pequenas alegrias.
Torna-me mais e mais introspectivo, mesmo quando quero me expressar, e fico na
companhia de meus pensamentos e, naturalmente, de minha sombra.
Há algo de muito errado comigo para sempre ficar sozinho,
sentindo-me o preterido, o favorito de ninguém? Eu não sei dizer com certeza,
mas sempre foi assim. Nunca me senti cercado de verdade pelas pessoas com as
quais me importo. Gosto de ter meus momentos, mas também gosto de ver o sorriso
de outro alguém.
Cada pessoa carrega sua própria sombra, como um encosto que a
envolve num abraço de amigo traiçoeiro.
Evoluímos — ou assim tentamos — e mudamos ao longo da
aventura; mas há no caminho uma sombra maior que sempre nos confunde, além das
menores que a acompanham e se camuflam no meio desta.
Como um círculo vicioso, sinto um incômodo que me impede de
seguir em frente sem carregar aquele sentimento de repetir sempre a mesma história
desinteressante.
Então
paro e penso:
Do
que é feita a sombra? Da ausência parcial de luz
quando algum obstáculo a bloqueia. Para existir a sombra é necessário existir a
luz. Lembre-se de ter ouvido algo sobre a escuridão ser feita da
ausência de luz? A luz existe e existiu primeiro.
Então, o que é esta sombra maior, mais escura que as outras?
É a sombra de mim mesmo. Sou o obstáculo no meio do meu
próprio caminho. Estou bloqueando a luz que se derrama às costas de minha
própria existência.
Mas, em vez de olhar para a sombra, eu poderia muito
bem olhar ao redor, notando toda a luz que ainda resta.
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