segunda-feira, 21 de novembro de 2016

38. A Sombra

Por toda a vida eu fui seguido.
Por ruas movimentadas, por becos e corredores estreitos, meus passos foram seguidos de perto. Perto até demais. Todos os meus movimentos, eles foram observados por uma acompanhante silenciosa, que sempre me seguia sem maiores comentários. Ela ainda me segue.
É bem provável que ainda me siga, mesmo depois, mesmo quando eu já estiver inconsciente a respeito de quem já fui algum dia, quando eu estiver dando meus últimos passos arrastados, formando a silhueta rastejante de um homem que já viu dias melhores.
Minha única companheira perpétua, a minha sombra, ela se ausenta apenas quando eu sigo pelos caminhos escuros. Ou se camufla na escuridão, eu ainda não sei dizer com absoluta certeza.
Quando fecho meus olhos à noite, ela também desaparece; nos sonhos, mal e mal me lembro de ter uma sombra. E, ainda assim, não me abandona em minhas aventuras.
No meio do caminho desta grande aventura chamada Vida, ao longo desta estrada há muitas outras sombras à espreita, de obstáculos aqui e ali. Sombras por todos os lados.
O que se esconde por trás destas sombras?
Olho para elas e vejo uma fábrica de pequenos e grandes medos, de fobias e neuroses guardadas numa caixa. Vejo mãos com garras feitas de galhos podres arranhando a vidraça em noites tempestuosas, refletindo-se na parede com a explosão de relâmpagos consecutivos. Minha própria sombra treme quando refletida.
Não importa quanto tempo tenha se passado, ou o quanto tenho evoluído e tentado, tentado e tentado, a aventura sempre me parece difícil, e os caminhos me levam a andar em círculos. Encontro e reencontro os mesmos obstáculos medonhos, e, como outros animais costumam fazer, eu paro até conseguir me sentir seguro outra vez.
Ainda que eu ande pelo vale da sombra da Morte e da Vida (e de todas as demais incertezas da Vida, não da Morte, que é a única certeza que temos), minha própria sombra ainda me acompanha, ou pelo menos me espera do outro lado de um trecho especialmente obscuro.
Mas algo me diz que até a minha sombra me teme e fugiria de mim se pudesse.
Digo, quando não estou brincando de fazer bichos de sombra, permitindo-me alguma diversão ao longo do caminho, estou seguindo pelo vale e sou tragado pela escuridão que me faz andar em círculos até poder voltar para casa.
Existe uma sombra maior sobre a minha existência, feita de tendências e fobias repetitivas, pegajosa como uma sombra literal, e que repele meus amigos desde sempre.
Esta outra sombra não tem forma nem nome específico, mas tem o poder de tirar meu sorriso quando quero sorrir. Torna-me culpado por querer sorrir, por querer companhia para ter com quem dividir minhas pequenas alegrias. Torna-me mais e mais introspectivo, mesmo quando quero me expressar, e fico na companhia de meus pensamentos e, naturalmente, de minha sombra.
Há algo de muito errado comigo para sempre ficar sozinho, sentindo-me o preterido, o favorito de ninguém? Eu não sei dizer com certeza, mas sempre foi assim. Nunca me senti cercado de verdade pelas pessoas com as quais me importo. Gosto de ter meus momentos, mas também gosto de ver o sorriso de outro alguém.
Cada pessoa carrega sua própria sombra, como um encosto que a envolve num abraço de amigo traiçoeiro.
Evoluímos — ou assim tentamos — e mudamos ao longo da aventura; mas há no caminho uma sombra maior que sempre nos confunde, além das menores que a acompanham e se camuflam no meio desta.
Como um círculo vicioso, sinto um incômodo que me impede de seguir em frente sem carregar aquele sentimento de repetir sempre a mesma história desinteressante.
Então paro e penso:
Do que é feita a sombra? Da ausência parcial de luz quando algum obstáculo a bloqueia. Para existir a sombra é necessário existir a luz. Lembre-se de ter ouvido algo sobre a escuridão ser feita da ausência de luz? A luz existe e existiu primeiro.
Então, o que é esta sombra maior, mais escura que as outras?
É a sombra de mim mesmo. Sou o obstáculo no meio do meu próprio caminho. Estou bloqueando a luz que se derrama às costas de minha própria existência.

Mas, em vez de olhar para a sombra, eu poderia muito bem olhar ao redor, notando toda a luz que ainda resta.

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