quinta-feira, 20 de novembro de 2014

20. E Se...?


Imagine a seguinte hipótese:
Você se encontra deitado na escuridão de teu quarto à noite, de olhos bem abertos e voltados para o teto, embora não consigam ver muita coisa. Inebriado pela fumaça ou simplesmente mergulhado nas profundezas de um transe, você começa a pensar demais: reflete a respeito dos últimos dias; cria ilusões e fantasias; chateia-se com desilusões acerca de alguns fatos da vida.
Mas não demora a inventar situações.
Hipóteses dentro de hipóteses são formuladas.
E se de repente não aparecem somente as hipóteses mais simples, mas também um pensamento inusitado de que na realidade você não está deitado no escuro, mas cego?
Um pensamento incomum invade a tua mente, o tipo de pensamento que talvez não teria nem em seus dias mais difíceis, mas que agora você não consegue evitar. E isso o incomoda profundamente. Afinal, a tua paz se perdeu na obscuridade de um pensamento superestimado.
Trêmulo e tomado por um medo muito irracional, você fecha os olhos, como que negando tudo o que já não pode ver. E tudo o mais parece ficar ainda mais escuro.
Então você se levanta depressa para acender a luz, ainda de olhos fechados. E ainda assim, não encontra coragem para desvendar o mistério, pois teme abrir os olhos ante a possibilidade de a escuridão ser a nova lei que rege o seu mundo particular.
Tomado pelo medo, você volta para a cama e espera em silêncio até cair no sono.
Mas isto é apenas um exemplo um pouco mais extremo. De um tipo de indivíduo repentinamente atormentado por uma incerteza incômoda, talvez culminando em outras ainda mais perturbadoras através dos tempos, talvez sendo esquecida após uma revigorante noite de sono e com o surgimento de um novo amanhecer.
O final da história fica a critério de sua imaginação.
Entenda, o cenário realmente não importa muito.
Você pode estar em qualquer lugar, em qualquer hora, fazendo coisas importantes ou aleatórias, e em algum momento será acariciado ou assaltado por um questionamento algo fora do comum. Acredite, é inevitável.
Eu mesmo conhecia alguém que costumava ser excessivamente realista e se dizia muito incomodado com a elaboração de determinadas hipóteses. Começar uma linha de diálogo com um “E se...?” costumava causar inquietação e ferir a sensibilidade de alguém muito apegado aos fatos, sendo este um fato causador de uma série de conflitos entre nós. Creio que ele apenas tinha medo de viver com medo.
Posso ter o meu excesso de incertezas, estou sabendo. Também sei como às vezes isso me atrai algumas preocupações desnecessárias. Mas não posso simplesmente ser privado daquelas hipóteses que me levam a fazer o que faço.
Os “ses” são chaves que abrem as portas da imaginação para aqueles que criam ou descobrem coisas.
Não fosse a imaginação de alguns, certas possibilidades nunca seriam pensadas. E se tais possibilidades nunca fossem testadas, certos recursos modernos talvez nunca existissem, pois seriam para sempre catalogados como artigos de ficção científica – e talvez fossem mesmo; isto é, pelo menos na ocasião em que foram concebidos por aqueles visionários vistos como meros sonhadores.
Se cientistas não tivessem perguntado a si mesmos o que poderia acontecer se testassem ou combinassem um ou mais elementos até então desconhecidos, talvez nunca teriam descoberto a cura de muitas doenças.
Por outro lado, o conhecimento também tornou possível a criação da bomba atômica.
Hipóteses. Situações. Dúvidas. Conflitos. Pensamentos.
Tudo isso pode começar com um dos incontáveis “ses” que nos deixam inquietos ao longo de nossas vidas.
Mas às vezes, um “se” é tão somente uma hipótese solta no ar, sem maiores significados.
Pode vir numa pergunta singela que você ouviria de um adulto e de uma criança – e que poderiam muito bem ser a mesma pessoa, mas em tempos diferentes.
De qualquer modo, não demoramos a pensar novamente em hipóteses um pouco mais incômodas, como aquela sugerida logo no início.
Tua mente é o teu purgatório particular, o lugar perfeito para se confessar e reavaliar a si mesmo. Muitos de meus fantasmas e demônios internos são expulsos quando eu persisto em me expressar a partir de uma ou mais questões existenciais que se espalham na grande miscelânea de pensamentos que é a minha mente inquieta. Gosto de dialogar comigo mesmo.
Eu me pergunto, por exemplo, se a maldade continuaria existindo caso a gente nunca mais morresse. Quero dizer, ela teria motivos para existir? Penso que a maldade vive porque sabemos que um dia vamos morrer. Nós queremos ter uma passagem mais confortável por este mundo, e isso muitas vezes nos leva a querer pisar em outros que apenas querem o mesmo.
É claro, talvez seja simplesmente pela ausência de amor entre os semelhantes.
E eu aqui, viajando nas ideias!
Mas e se o nosso fardo for a eterna repetição de nossa viciosa imperfeição?
E se tudo o que vemos e vivemos for somente uma comédia de erros, mas sem risadas ao fundo?
Se você quiser, eu posso ir mais longe.
E se a nossa existência for somente um filme muito longo? Ou então uma série de fotografias em um grande álbum cósmico – e há muito a nossa vida já havia sido vivida e experimentada, sendo hoje apenas uma série de memórias revisitadas muitas e muitas vezes, sem a gente perceber?
Pense nisso.
Então pense o seguinte: e se a nossa vida for nada além de um romance ou de uma peça teatral muito bem encenada? E se nossos pais, amigos e familiares forem somente atores muito talentosos cumprindo papéis e influenciando os rumos da existência de nossa personagem?
Pense bem, isso talvez justificasse a imposição de tradições no mundo. Todos teriam recebido um roteiro bem detalhado, assim como a orientação do dramaturgo de que tudo ali deveria ser seguido à risca, a despeito de eventuais improvisos tolerados por ele. Sua vaidade de autor deveria ser alimentada.
Mas é só uma hipótese.
E se eu não for o protagonista de minha própria história, mas apenas um dos muitos fragmentos de um grande mosaico?
E se eu for um mero objeto solto no cenário?
E se eu não for amado, nem odiado, mas observado com indiferença pelo universo?
E se nossas histórias forem parecidas, a cópia da cópia?
E se estivermos sozinhos?
E se não estivermos?
E se não existir vida após a morte? E se existir?
O que aconteceria se todas as certezas se dissolvessem de uma só vez? E se todas incertezas fossem derrubadas como muralhas, restando somente os escombros e a poeira?
Todas as coisas, elas existem e não existem ao mesmo tempo.
Todas as coisas se tornam existentes a partir do momento em que você as percebe.
Elas já não existiam antes de percebê-las, e mais uma vez deixam de existir no exato instante em que as primeiras dúvidas aparecem. Por toda a tua vida, ideias conflitantes se debatem e se contorcem entre os compartimentos secretos de tua mente, e isso se repete sem maiores interrupções ou intervalos até o dia em que a tua vida finalmente se esvai, a tua consciência se apaga e deste mundo desaparece. Neste ponto, tudo o mais se torna inexistente, inclusive você.
E se todas essas ideias sumirem?
E se nunca mais as dúvidas e perguntas existirem?
E se ninguém mais questionar?
E se ninguém mais tiver o que buscar? Qual seria, então, o sentido da vida?
E se realmente ficarmos cegos – não literalmente dos olhos, mas da mente?
E se o mundo for feito de escuridão novamente?
Concluo que talvez não seja simples ou mesmo possível tirar conclusões sobre certos questionamentos que inesperadamente nos assombram. Então você se deita na escuridão de teu quarto à noite, e aquela mesma pergunta que ficou martelando em tua cabeça o dia todo, ela continua a incomodá-lo até quando o sono finalmente chegar. Se o sono chegar. O tempo pode passar e nos empurrar com grande violência, mas algumas perguntas aparentemente ficarão sem resposta.
Tudo fica a critério de nossa imaginação fértil.

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