domingo, 20 de abril de 2014

15. Obsessões

Nascer enquanto outros tantos querem morrer, respirar, aprender a se comunicar, alimentar-se bem, dormir à noite, não dormir quando o luar banhar de luz a outras tantas possibilidades ocultas, sonhar e lembrar-se dos sonhos, dormir para retomar os sonhos inacabados, amar e ser correspondido à altura ou além, odiar e amar odiar, não ser abandonado, sempre ter companhia, querer viver solitário, fazer o bem a todo custo – mesmo quando a bondade significa um mal inconveniente para os demais, mesmo dispondo das ferramentas e dos motivos errados para construção do bem, quando a bondade é egoisticamente conveniente –, a sede de justiça, de fazer jus às expectativas, as boas e as más, não ser feito de bobo, nem sofrer com a zombaria dos tolos, a obsessão pela simetria, por seguir os padrões, seguir a moda, querer ser diferente, ou bizarro, aquilo que chamam de anormal, se fazer de medíocre para ser visto como um fantasma, um ser invisível, gritar e querer aparecer demais, querer ter razão, ter o controle de tudo em suas mãos, perder o rumo e a direção como quem diz “nada mais tenho a perder e nada mais poderão esperar ou cobrar de mim” e ainda não querer se decepcionar, preencher as lacunas, os espaços vazios, o silêncio, encontrar um espaço que ainda esteja vazio, ter algo mais a declarar, o direito libertino de ter a liberdade de expressão, querer rimas nas canções quando tudo o mais ao redor já parece desafinado e destoante, rimar amor e dor, felicidade e maldade, voltar no tempo, avançar no tempo, tentar não repetir os mesmos erros, corrigir os erros alheios – o costume dos santos pecadores! –, apontar a hipocrisia dos outros, querer ignorar a sua própria condição de humano, voar acima das nuvens e alçar voos ainda maiores, ter uma base, um solo próprio, casar-se, ter filhos, cumprir missões sociais, trabalho, mais trabalho, horário extra, querer ser alguém na vida, seja lá o que isso queira dizer, ter muito dinheiro e pouco proveito, fugir das responsabilidades básicas, tanto das implícitas e lógicas quanto daquelas outras que alguma invisível entidade humana certa vez disse que você deveria ter, e não podemos nos esquecer da pressa, da vontade de querer terminar tudo tão depressa, incluindo a leitura de um livro ou de um longo texto, se considerar a velocidade atual das informações, pular momentos e trechos ou desistir no caminho, e depois querer saber como tudo terminaria, não querer que algo o interrompa antes de se sentir satisfeito, recompensado, ver o fim dos conflitos, o medo de morrer, que é tão forte quanto o medo de viver infeliz, agarrar-se à sanidade, não querer ajuda, agarrar-se à saúde, e não adoecer, almejar a cura... Querer, então, morrer e descansar enquanto outros querem nascer, quando tantos outros nem mesmo isso conseguem, não querer morrer sozinho, morrer e libertar-se da prisão do corpo e da mente, transcender, descansar, calar de vez a voz dos pensamentos, querer fugir do tumulto, dos pensamentos congestionados, fugir das angústias, querer que tudo se conecte e faça sentido, que seja resumido, explicado, e que o universo seja finito, que o mundo se cale e morra com você, buscar, buscar e buscar, não esperando ser impedido por uma interrupção abrupta, querer encontrar uma resposta para tudo, para a vida e a morte, para o agora e o nunca, revisitar o passado, esquecer de viver o presente e temer o futuro, e então, novamente, querer ter o controle de tudo, além da obsessão pelo fim das obsessões, que desregulam o ritmo da vida e distorcem as percepções, e nos tornam obcecados pelo fim da obsessão através de nossos esforços solitários, lutar para dar um fim às intermináveis obsessões – e elas não param mais, mas se proliferam! –, querer sempre ganhar de tudo e de todos, vencer toda a loucura do cotidiano, o desejo perpétuo de ser aquele que é eleito a dar o ponto final

-------------------------------------------------


Para mais informações e novidades:

Sigam-me em meu perfil no Google Plus

Sigam-me também no Twitter

Curtam e sigam minha Página do Facebook