terça-feira, 25 de março de 2014

14. Síndrome de Hiena


(Ou o mais adequado seria "Complexo de Hiena"?)

Quando as pessoas me veem na rua, elas costumam me perguntar o motivo de eu estar bravo. É a pergunta favorita de pesquisadores, de vizinhos e de outras tantas pessoas que me veem apenas por alguns instantes, principalmente quando estou caminhando e tudo o que quero é cuidar da minha vida; afinal, não estou pedindo muito, não é mesmo?
Que nada! Estou bem, e obrigado por perguntar. Tenho um pouco de sensibilidade à luz e faço caretas por esse motivo, sem contar que eu herdei o semblante sério de meu pai.
Na verdade, eu até sou bem risonho, se quer mesmo saber, ainda que não viva sorrindo publicamente sem ter encontrado bons motivos para isso. Sorrir mostrando meus dentes, então... Isto eu faço apenas sob coação.
Uma amiga certa vez disse que os dentinhos separados dela não são para qualquer um, e bem sei o que ela quis dizer. Não é uma simples questão de esconder algo que não considero lisonjeiro em mim ou de ignorar os grandes benefícios que, sim, eu sei, o sorriso traz à nossa saúde, mas pessoalmente considero o sorriso – ou mesmo o riso – muito mais valioso quando surge pontualmente como um contraponto à seriedade, quando menos se espera, e isto é o que me leva a rir melhor.
Mas banalizaram o sorriso.
Banalizaram as risadas.
Com o tempo, as pessoas se vestiram em pele de hiena.
Ou as hienas vestiram as nossas carcaças humanas, e agora habitam entre nós, mal disfarçando a sua hilaridade gratuita. São criaturas jocosas, essas hienas de plantão!
Não que o riso seja em si um problema, e não é, mas pensando bem, não me surpreenderia de às vezes me surgir o ímpeto de perguntar o motivo das risadas.
De fato, rir é melhor que chorar, como dizem; não há o que discutir a respeito. Contudo, às vezes eu tenho a nítida impressão de que as pessoas não sabem nem do que estão rindo, mas não por serem naturalmente risonhas tal como o Feliz dos sete anões ou o gato da Alice, e sim por uma certa demência que tem o riso como um elemento exigido e desesperadamente garantido, como que essencial para a sua demente existência.
Tudo bem, eu sei que nós aprendemos a rir de nós mesmos e do desnorteio de nosso cotidiano, apenas para citar um exemplo comum. Rir de uma dificuldade sofrida coletivamente alivia a tensão e aproxima desconhecidos que, não fosse a repetição de uma mesma história em comum, talvez nunca dirigiriam uns aos outros palavras, olhares ou acenos silenciosos indicativos da compreensão de algo percebido ou presenciado em conjunto. O riso pela empatia, como a piada interna de um grande grupo. Neste sentido, o riso é saudável e natural.
Contudo, o riso não pode simplesmente preencher o vazio de nossa incompreensão não confessada ou mesmo disfarçar a nossa falta de atitude diante das dificuldades, sendo mais honesto confessarmos a nossa ignorância. Embora, em alguns casos, o riso possa ser visto exatamente como um atestado de ignorância, sendo uma consequência disso, como quando rimos ou fazemos chacota de coisas que precisam ser levadas um pouco mais a sério.
Mas esta é uma questão muito polêmica!
Defensores do riso acreditam que ele deve estar presente mesmo nos momentos em que se faz inconveniente. Isso torna a vida mais suportável.
Tudo bem, eu concordo: o riso pode mesmo ser benéfico.
Isto é, antes de as hienas entrarem em cena.
Você conta uma piada muito boa e é aplaudido.
Você fala sobre assuntos mais complexos, sobre coisas que demandam um pouco mais de contemplação, de reflexão e seriedade, então as pessoas nada dizem... Ou elas dizem que você fala demais. Isso quando não procuram um motivo para rir, mesmo quando a piada parece inexistente! Você pode ver isso com frequência na rede: as pessoas não levam nada a sério, mesmo quando isso se faz necessário, e ainda tentam forçar uma piada, mesmo quando ela não é bem vinda!
Eu sei. Tudo isso parece ser a carta de um indivíduo desprovido de senso de humor, de um ranzinza com a face carrancuda, não é verdade?
Os mais sisudos sentem uma necessidade de justificar seus argumentos reafirmando o que disseram anteriormente, mas os risonhos, estes nunca pareceram sentir a obrigação de justificar a sua risada involuntária.
Repito: é melhor rir do que chorar.
Eu aprendi nesta vida a debochar de mim mesmo e a não ser tão autocrítico, e também aprendi a ter uma leve incredulidade para cima da minha eterna síndrome de perfeccionismo sobre tudo o que faço e a olhar para mim mesmo sob um olhar cínico e rir, o que é muito saudável e quebra a monotonia de tentar ser assim tão correto. Eu aprendi a não ter a pretensão de querer ser o maior exemplo de perfeição, pois ninguém o é.
Repito: é melhor rir do que chorar.
Mas eu pelo menos nunca ouvi alguém dizer que o oposto exato do riso seria o choro!
E eu sei rir.
Conte-me uma boa piada, das mais simples, que são aparentemente tolas, até aquelas originadas no território do inusitado, das mais absurdas, e eu saberei rir.
O ponto nunca foi esse!
Considere isso como uma extensão ao tema da língua ferina e dos dedos afiados. Há uma ligação muito forte entre a síndrome de hiena e a falta de tato no que se diz, com a diferença de que as hienas não existem apenas no mundo virtual, mas caminham entre nós em ambientes públicos, e elas podem ser encontradas das portas para dentro e das portas para fora. E elas podem existir dentro de nós, contagiantes como são.
E as hienas opinarão sobre assuntos sérios como se estivessem contando uma piada!
E as hienas certamente vão rir dentro de uma sala do cinema mesmo durante certas cenas que demandam seriedade ou um pouco de silêncio para fins de efeito de imersão. E elas vão arreganhar os dentes se forem contrariadas. Nem mesmo as hienas suportam por muito tempo o seu próprio sorriso sardônico!
E as hienas falarão de política com um certo ar de deboche, ainda que os diretamente envolvidos com ela tenham o costume de fazer o mesmo!
E elas vão rir, e rir, e rir... pois, quando são contagiadas por essa hilaridade cega e irrefreável, isso é tudo o que as pessoas sabem fazer.
E encerro aqui deixando-lhes um alerta: tenham cuidado com as hienas!
Elas estão em todos os cantos e querem a sua carne e um minuto de sua atenção. Não se deixem enganar por seu eterno sorriso e por sua natureza carniceira disfarçada de senso de humor!

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